segunda-feira, 15 de julho de 2013

Vendedor de cocadas bem vestido e humorado sai da prisão, investe no doce e espera ser empresário

“As únicas que removem as cáries dos dentes, as manchas da pele, fazem crescer os cabelos fortes, macios e sedosos. São as únicas cocadas que você pode comer sem engordar porque são light e diet, energéticas, afrodisíacas, tem cálcio, ferro, zinco, sais minerais. São riquíssimas em proteínas, tem vitaminas A, B, C, D, E, F, enfim, tudo isso ao preço de apenas um real. Olha, gente, organizem uma fila”. É assim de forma inusitada que os usuários dos ônibus de Natal tem sido surpreendidos pelo vendedor David Isaac, mais conhecido com David das Cocadas. Negro, 32 anos, de calças e mangas compridas, vende cocadas anunciando seus produtos como se fosse locutor de rádio, com muita alegria e estilo próprio. Vendedor de cocadas há 10 anos, ele nos conta as dificuldades, preconceitos e o que modificou a vida que levava antes como traficante em Recife.

Diariamente, David e sua esposa se levantam cedo para fabricar artesanalmente as cocadas, desde abrir o coco, ralar e levar ao fogo à lenha - método utilizado para dar sabor diferenciado à cocada e baratear os custos. Depois de prontas, as cocadas são embaladas em pequenos pacotes com seis unidades cada e organizadas em caixotes de plástico para serem vendidas ao preço de R$1,00. À tarde, por volta das 16h, David se veste e caminha para a parada onde passa o 59, primeiro ônibus que o leva do Guarapes até a Av. Bernardo Vieira. De lá parte para começar as vendas. David conta que dependendo do horário, vende em média 120 pacotes e que a Zona Norte e Sul são as melhores áreas para venda.

A ideia de vender cocadas surgiu em Recife há cerca de 10 anos, quando David saiu da cadeia depois de cumprir pena de mais de um ano e sete meses por porte ilegal de armas, tráfico de drogas, assalto a mão armada, formação de quadrilha, homicídio e latrocínio. David se inspirou na avó, que fazia e vendida cocadas para cuidar dele e de seus irmãos, e decidiu fazer o mesmo, transformando o doce numa forma de ganhar a vida. Passou a vender o produto no metrô e depois nas praias de Recife.

Já em 2004, David veio para Natal onde mudaria de emprego, mas por causa do preconceito não conseguiu o trabalho sonhado e decide voltar às cocadas. E são elas que ajudam a manter a família, filhos, pagar aluguel, água, luz e todos os gastos. “O que ganho é confortável para sobreviver, que me falta é uma boa administração. Eu não sei administrar o dinheiro que ganho”.

Com o aumento das passagens de ônibus e dos gastos de produção, David percebeu que havia necessidade de um diferencial para aumentar as vendas. E assim surgiram as brincadeiras que chamam a atenção das pessoas e para completar, a ideia de produzir o “nego bom”, um doce a base de banana de difícil produção, mas que é novidade no estado e chama a atenção principalmente dos turistas. “Eu havia tentado fabricar o doce outras vezes, mas o processo de produção e cozimento é bastante complicado. Sempre trabalhei com as cocadas, visando comprar as máquinas para a fabricação do nego bom. Nós ainda não termos as máquinas, mas assim que comprarmos o nosso trabalho vai ser facilitado e esperamos vender muito mais. Nossa fabricação já tem um destino próprio que é o Shopping do Artesanato, Casa do Nordeste, Casa da Castanha”.

Prestes a abrir uma pequena empresa com a ajuda do Sebrae, David deve deixar de trabalhar dentro dos coletivos a partir de Janeiro. A empresa que será chamada: “Doces Davinho” - uma homenagem ao filho. “Com isso usaremos outra forma de abordar o mercado. A venda das cocadas tem diminuído bastante, e por isso estamos apostando no nego bom”, declara, emocionado, ao lembrar do filho.

O “nego bom” é vendido em pacotes de 100g contendo 20 unidades e o 200g com 40. O de 200g é entregue hoje no mercado ao preço de R$ 1,50 e o de 100, a R$ 1,00. Os produtos chegam a ser revendidos pelo dobro do preço em pontos turísticos. “Nos coletivos é possível vender 150 pacotes por dia. Porém, por não ser um doce conhecido, se faz necessário abrirmos em média 30 pacotes para degustação. Ao chegar em casa vi que o gasto com passagens e a abertura desses 30 pacotes tinham me levado cinquenta reais. Como não temos como comprar material mais barato, nem baratear a mercadoria, a gente sempre acaba atribuindo isso como prejuízo”.

Da bala à cocada
A popularidade de David cresceu muito e em 2008 ele se tornou candidato a vereador pelo PTC (Partido Trabalhista Cristão), obtendo 509 votos. E por onde passa chama a atenção, desde os motoristas de ônibus já conhecidos, até seguranças de shoppings e outros vendedores, que o reconhecem e o cumprimentam.

Mas nem sempre sua vida de foi de alegrias e reconhecimento. Ele foi criado pelo pai e a madrasta, e teve uma infância sofrida. Saiu de casa aos 8 anos de idade, depois de uma surra, e começou a perambular pela cidade do Recife, onde logo experimentou a maconha, cola e cocaína. “Cresci como trombadinha e cheguei a ser dono de 12 bocas de fumo, no Pernambuco era conhecido como ‘David Bala”.

Aos 21 anos a rotina de crimes acabou e David foi preso depois de denunciado por um inimigo, sendo indiciado a 120 anos de prisão e conduzido ao presídio Professor Aníbal Bruno, maior do Brasil e segundo da America Latina. “Acreditava que a policia queria me matar e não me prender enquanto era perseguido. Foi aí que Deus falou comigo. Joguei a arma fora e fui até a igreja e eu me converti. Isto foi numa noite de quinta-feira e na madrugada, às 5h da manhã eu estava sendo preso.”

Ainda na prisão ele resolveu mudar de vida e quando foi liberto, casou–se com a atual esposa Silene Maria da Silva, que conheceu ainda no presídio. “A Silene tinha um irmão preso e quando ela ia visitá-lo eu ficava admirando-a”, conta David.

Vindo para Natal passou por um período de experiência num hotel de Petrópolis mas ao saberem do seu passado como detento o dispensaram. “Isso era algo que eu já temia sofrer preconceito por ser um ex-detento e acabou acontecendo. Foi então que voltei com a fabricação das cocadas, minha avó me levava nos morros de Recife para vender cocadas, tapiocas”, explica o vendedor.

Extremamente apegado a Deus, David hoje é pastor da igreja Missão Apostólica da Fé e vai à igreja nas poucas horas que sobra do trabalho durante toda semana. Mesmo com pouco tempo ele faz questão de agradecer diariamente ao divino por ter um trabalho para sustentar sua família de forma honesta e diferente de tudo que ele passou. “Hoje eu louvo a Deus porque a cocaína foi substituída por cocada ‘é cocada boa’. As balas das armas foram substituídas por balas de banana que é o ‘nego bom”.

Sonhos
A vida de David também é preenchida de muitos sonhos. Desde que começou a ter sucesso com as cocadas e com o “nego bom”, ele junta dinheiro para comprar sua casa própria no Guarapes, bairro onde mora e faz questão de investir. “Lá tem muita gente boa, mas ainda é considerado o bairro mais pobre do Rio Grande do Norte. O Guarapes só é lembrado quando acontece alguma coisa em termos a marginalidade. Mas existe mais gente boa do que pessoas consideradas ruins para sociedade”.

Além da casa, ele também gostaria muito de trabalhar com comunicação, aproveitando do seu modo claro de se expressar e até das brincadeiras de seus clientes que o chamam de “Silvio Santos”. “Meu sonho é ser radialista e eu já treino nos ônibus, me comunicando e brincando com as pessoas, e tenho fé em Deus que em breve estarei no rádio”.


Fonte:
http://portfoliocarolreis.blogspot.com.br/2012/02/cocada-que-faz-milagres.html

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