Não
poderíamos começar este post sem fazer uma breve explicação sobre o
funcionamento dos esquemas de pirâmides, muitas vezes mascarados de
“Marketing Multi Nível”.
A primeira e essencial característica de
um esquema de pirâmide é que, ainda que a empresa aparente vender um
produto ou serviço, o que mantém seu funcionamento é o recrutamento de
pessoas, vez que estas pagam para poder ingressar no esquema. Assim, o
produto ou serviço “vendido” pela empresa sequer precisaria existir, mas
a maioria dos esquemas os utiliza para revestir o golpe de uma
aparência de legalidade aos mais desavisados. Ou seja, o que acontece, na verdade, é a troca de dinheiro pelo recrutamento de outras pessoas.
Assim fica fácil perceber que todas as
pessoas que trabalham nos esquemas de pirâmide estão pouco preocupadas
em lhe vender o produto ou serviço que eles anunciam através da
“empresa” que se “filiaram”, mas, o que realmente querem, é que você
ingresse no mesmo esquema. Por que será? Será porque são bonzinhos e
querem o seu bem? Será que se cuida de um grupo de bons samaritanos que
querem que você se dê bem na vida sem qualquer esforço? A resposta é
óbvia, claro que não!
Em termos práticos, se uma pessoa paga
para trabalhar para uma determinada empresa, que aqui daremos o nome
fantasia de “TeleVOip”, para anunciar postagens de um serviço de
telefonia VOip, então, caso fosse verdade, o que sustentaria a empresa e
o retorno do “investimento inicial” seria o sucesso nas vendas do
serviço de telefonia VOip. Por conseguinte, os
trabalhadores/investidores desta empresa, deveriam se empenhar muito
mais em vender os serviços/produtos para que a empresa continue
funcionando, com uma saúde financeira sustentável.
Contudo, agora reflita, quantas vezes lhe ofereceram o produto? Mas,
quantas vezes insistiram para você entrar no esquema para virar um
divulgador do produto e nada mais, sem nem se preocupar com o sucesso da
venda destes produtos ou serviços?
Exponho tudo isso para deixar claro que o
que mantém o esquema não é a venda do produto (que muitas vezes
acontece com um produto superfaturado para até tentar obter algum
retorno financeiro, que vão de colchões de R$ 3.000,00 a rastreadores de
veículos), mas, o que sustenta a “empresa”, repise-se, é o recrutamento
de novas pessoas para ingressarem no esquema. Daí insistirem
vigorosamente para que você “invista seu dinheiro” e pouco se preocupam
com a venda dos produtos e serviços que eles mesmos oferecem.
A questão central é que o esquema é financeiramente insustentável, ou
seja, o recrutamento excessivo de pessoas, invariavelmente, levará o
esquema à insustentabilidade, por razões óbvias e lógicas.
O site How Stuff Works (http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/esquema-de-piramide1.htm), traz uma clara explicação de um programa de pirâmide nu (onde não há uma venda de produtos), veja como funciona:
“Em um esquema de pirâmide nu, não se vende produto algum. Eis como ele funciona:
Parece bastante simples, mas eis o problema: digamos que os 10 recrutas iniciais encontrem cada qual 10 outras pessoas. Esses 100 recrutas precisarão de 10 novos participantes cada um para lucrar US$ 900. Isso significa que é preciso haver mil pessoas interessadas. Caso essas mil pessoas sejam encontradas, o novo nível da pirâmide precisaria de 10 mil recrutas para manter o nível de lucro. Chega um momento em que não existem recrutas suficientes na base da pirâmide para sustentar a camada superior. Então, ela desaba e as pessoas da camada mais baixa perdem seu investimento”.
- Uma pessoa recruta 10 outras para participar de uma “oportunidade infalível de investimento”.
- Os 10 recrutas pagam cada qual US$ 100 ao recrutador.
- O recrutador em seguida os instrui a recrutar cada qual 10 novas pessoas para fazer o mesmo.
- Caso cada recruta obtenha sucesso, lucrará US$ 900 com um investimento de US$ 100.
Assim, quando pararem de entrar novas
pessoas na pirâmide, seja até mesmo por conta da concorrência dos outros
esquemas de pirâmides que estão surgindo no mercado, a situação
financeira da empresa se tornará insustentável, ante a ausência de
grande volume de pagamentos (“investimento” inicial das pessoas) que
serão necessários para o adimplemento das obrigações que o esquema
firmou com os seus filiados ou “investidores”, especialmente porque este
grupo tem crescido cada vez mais.
Ou seja, o dinheiro que entra será, mais
cedo ou mais tarde, insuficiente para manter o pagamento do imposto de
renda mais a remuneração dos “vendedores dos serviços e produtos da
empresa”, visto que praticamente nenhum serviço é vendido.
Observe mais um exemplo de como funciona uma variante desses esquemas:
É inegável que muitas pessoas ficaram
ricas se envolvendo nessa prática, mas, agora, após esta apertada
síntese sobre o funcionamento do esquema, que possui várias variantes, vejamos as implicações jurídico-penais sobre o questão.
A lei 1.521/51 regulamenta a matéria, no âmbito criminal, nos seguintes termos:
Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes e as contravenções contra a economia popular, Esta Lei regulará o seu julgamento.
Art. 2º. São crimes desta natureza:
[...]
IX – obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes);
[...]
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.
O texto da Lei é auto-explicativo, não
há dúvidas de que a prática de processos fraudulentos como ”bola de
neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes são sim
considerados crime contra a economia popular. Uma das condutas típicas
cuida exatamente dos esquemas de pirâmide, que é o que está “na moda”,
eu mesmo já cansei de receber e de negar convites.
Esmiuçando o texto e o trazendo para
palavras mais simples, a prática e a promoção da pirâmide amolda-se à
conduta descrita na lei como de “obter ou tentar obter ganhos ilícitos
em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante
especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”,
“pichardismo” e quaisquer outros equivalentes)”, desta forma, tem-se a
tipicidade da conduta perfeitamente configurada, ou seja, a ação das
pessoas que divulgam, promovem, em especial aquelas que realizam
palestras com a finalidade de obter ou tentar obter ganhos ilícitos
(ilícito pois o ganho é advindo de uma fraude, própria do esquema de
pirâmide), se amolda perfeitamente à conduta hipotética descrita na lei
que define o crime.
Ausente as causas de exclusão de
antijuridicidade e culpabilidade, restará perfeitamente configurado o
crime (o que tem sido muito comum).
Sobre uma determinada empresa, e após
um minucioso estudo, a Secretaria de Acompanhamento Eletrônico, do
Ministério da Fazenda, emitiu a seguinte nota, que, por força de uma
liminar, foi retirada do ar:
NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE AS ATIVIDADES DA TELEXFREE
A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda
(Seae/MF) vem a público prestar os seguintes esclarecimentos sobre as
atividades da empresa Ympactus Comercial Ltda. ME, conhecida pelo nome
fantasia de Telexfree:
1. As operações da referida empresa NÃO
configuram captação antecipada de poupança popular, que é modalidade
descrita no art. 7º da Lei nº 5.768/71 e cuja autorização e fiscalização
competem à Seae/MF. Desta forma, NÃO cabe à Seae autorizar nem
fiscalizar as atividades da Telexfree em território nacional.
2. A descrição das atividades econômicas principal e secundária da empresa não a autorizam praticar atividades de comércio.
3. Não foi comprovada a parceria entre a Telexfree e operadoras de telefonia móvel ou fixa, o que seria necessário para garantir a prestação do serviço de VoIP (voice over IP), conforme ofertado pela empresa.
4. Com base nas informações prestadas pela empresa, a Seae/MF concluiu que estão presentes indícios de duas possíveis irregularidades na relação comercial entre a Telexfree e os divulgadores membros da rede da organização: i. o estímulo à economia informal e ii. a exigência de exercício de duas atividades laborais (como divulgador e como comerciante) para o recebimento de apenas uma.
5. A oferta de ganhos altos e rápidos proporcionados principalmente pelo recrutamento de novos entrantes para a rede, o pagamento de comissões excessivas, acima das receitas advindas de vendas de bens reais e a não sustentabilidade do modelo de negócio desenvolvido pela organização sugerem um esquema de pirâmide financeira, o que é crime contra a economia popular, tipificado no inciso IX, art. 2º, da Lei 1.521/51.
2. A descrição das atividades econômicas principal e secundária da empresa não a autorizam praticar atividades de comércio.
3. Não foi comprovada a parceria entre a Telexfree e operadoras de telefonia móvel ou fixa, o que seria necessário para garantir a prestação do serviço de VoIP (voice over IP), conforme ofertado pela empresa.
4. Com base nas informações prestadas pela empresa, a Seae/MF concluiu que estão presentes indícios de duas possíveis irregularidades na relação comercial entre a Telexfree e os divulgadores membros da rede da organização: i. o estímulo à economia informal e ii. a exigência de exercício de duas atividades laborais (como divulgador e como comerciante) para o recebimento de apenas uma.
5. A oferta de ganhos altos e rápidos proporcionados principalmente pelo recrutamento de novos entrantes para a rede, o pagamento de comissões excessivas, acima das receitas advindas de vendas de bens reais e a não sustentabilidade do modelo de negócio desenvolvido pela organização sugerem um esquema de pirâmide financeira, o que é crime contra a economia popular, tipificado no inciso IX, art. 2º, da Lei 1.521/51.
Ante o exposto, a Seae/MF encaminhará suas conclusões sobre a
questão, contidas na Nota Técnica nº 25 COGAP/SEAE/MF, e o Parecer
PGFN/CAF nº 422/2013 ao Departamento de Polícia Federal e à 3ª Câmara de
Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para que aqueles
órgãos, caso entendam necessário, promovam as devidas investigações
sobre o caso.
FONTE: http://cienciascriminais.com.br/esquemas-de-piramides-crime-contra-a-economia-popular-um-breve-resumo/
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