Se
a Terra definitivamente já não lhe interessa, talvez você se sinta
seduzido pela chance de viagem que a organização holandesa “Mars One”
lançou recentemente para todo o globo: um concurso internacional em que
os 24 vencedores ganharão uma viagem para o planeta Marte – onde, além
de estabelecerem aquilo que seria a primeira “colônia” terráquea em
outro astro, os passageiros participariam de um “reality show”.
Os milhões de dólares já gastos com pesquisas até agora não
confessaram piadas criativas. Além de serem maiores de 18 anos e, é
claro, saberem falar inglês, os candidatos, segundo Norbert Kraft,
diretor médico da instituição, deverão apresentar “capacidade de
adaptação, tenacidade, criatividade e compreensão dos outros” – ou seja,
suicidas, ególatras, psicóticos, autistas, nerds covardes, pacientes
terminais, cientificistas, depressivos e niilistas convictos não
necessariamente serão aceitos.
Com
gravidade e talvez ciente das possíveis armadilhas que os jornalistas
de bom humor e maior inteligência poderiam lhe reservar, Bas Lansdorp,
co-fundador da Mars One, declarou que a meta do grupo “é levar os seres
humanos a Marte. Precisamos do interesse do mundo para fazer isto
acontecer”. Ele também assegurou que “a empresa já recebeu “10.000
e-mails de pessoas de mais de cem países diferentes interessadas nesta
missão”.
O concurso, apoiado por celebridades como o Nobel em física Gerard’t
Hooft, não esconde dos candidatos que a viagem (para 2022) é só de ida –
já que os corpos dos viajantes siderais já não se adaptariam outra vez à
Terra e as dificuldades logísticas e técnicas de um retorno ao planeta
azul não são nada animadoras.
A AEME, “nome provisório” para a “agência de estudos da moral e pelo
engrandecimento ético do animal humano”, órgão “científico-filosófico
co-sediado no Brasil e ainda em fase “experimental”, publicou há poucas
horas o que chamou de “diagnóstico psico-sociológico dos prováveis
participantes do concurso” que deixou milhões de pessoas perplexas,
surpresas e excitadas:
“Para quem é quixotescamente egomaniaco, não ama a vida que leva na Terra e acreditou (certamente sem importar-se
tanto com as provas) que o homem realmente chegou à Lua (o que, aliás,
jamais foi comprovado – desconfiança que também pode ser ampliada para
os robôs em Marte e às sondas pela galáxia), a proposta de vencer um
reality show ao cabo do qual jamais se poderá desfrutar de qualquer
prêmio em dinheiro, mas tão somente da estranha fama que alguém pode
gozar estando num suposto “deserto vermelho”, deve interessar. Para quem
não se encaixa totalmente nesse perfil, mas não é suficientemente
“valente” para suicidar-se de uma vez ou recuperar-se de uma forte dor
ou crise de valores pessoais, talvez a mera promessa de desaparecer do
‘mundo’ resulte atrativa.”
Mas
a nota da agência concluiu de maneira menos engraçada: “Um projeto
digno de uma ciência moralmente elevada jamais deveria atrelar sua
realização às vaidades e tristezas de seus ‘voluntários’ (que bem
deveriam ser chamados de cobaias). Se já apareceram os homens terráqueos
dispostos, sem vergonha alguma, a realizar, participar ou financiar um
reality show em Marte, é porque a própria ausência de amor que têm por
suas vidas reais e por sua nave-mãe original (a Terra) se combinaram de
maneira patética com uma maneira de fazer ciência cujos interesses
últimos facilmente se confundem com o parasitismo dos ecossistemas e a
incapacidade de harmonizar-se com qualquer cosmos que não lhe seja
submisso e programável! Nenhuma ciência desonrou tanto a grandeza
espiritual humana quanto a ocidental.”
“Há, no fundo de todos os reality shows, um espetáculo maior para o
qual as pessoas não atentam (talvez por que estejam exatamente vendo de
dentro dele): a indiferença e cinismo de uma civilização decadente para
com sua própria frivolidade, ociosidade e despreparo para com as
verdadeiras grandes metas morais” – concluiu o comunicado.
Até agora a “Mars One” não demonstrou oficialmente ter levado em
conta as críticas da organização sem fins lucrativos brasileira.
postado por
Wagner Pinheiro
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